ESTREIA
'Extermínio' retoma apocalipse de infectados e pensa o pós-pandemia
Diretor britânico Danny Boyle volta a sucesso de 2002 com mais camadas de urgência e emoção em filme que inicia nova trilogia


Era um mundo bastante diferente quando "Extermínio" chegou aos cinemas britânicos em novembro de 2002. Havia pouco mais de um ano desde o ataque às Torres Gêmeas em Nova York, o euro acabara de se tornar a moeda corrente na União Europeia, a globalização apresentava tanto inseguranças de autonomia quanto esperança de mais união entre as democracias. O filme de Danny Boyle, com roteiro de Alex Garland, era a alegoria distópica de um planeta devastado por um vírus onde o Estado não deu conta de resolver a crise sem precedentes.
Mais de duas décadas depois, o cenário mundial no qual estreia "Extermínio: A Evolução" é outro. Novamente com Boyle e Garland à frente, o filme chega pouco depois do impacto da pandemia do coronavírus, do separatismo do Brexit e de ameaças militares e ambientais por todos os lados. Tudo isso está absorvido no imaginário do novo longa-metragem, o terceiro de uma franquia que promete ainda trazer à luz outros dois títulos nos próximos anos.
"Extermínio: A Evolução" deixa de lado a metáfora da distopia do original e faz agora uma reflexão direta sobre o Ocidente no século 21. A precisão do texto de Garland encontra na inquietação das câmeras de Boyle um equilíbrio até certo ponto inesperado a um filme que trata o apocalipse como uma espécie de horror rock’n’roll filtrado por imagens digitais embrutecidas. A perturbação visual amplifica o sentido de urgência das cenas.
A volta do diretor de fotografia Anthony Dod Mantle dá ao filme uma nova exuberância em relação a 2002. Se antes foram usadas câmeras digitais para simularem a definição um tanto singular das imagens de vídeo numa Londres esvaziada, agora duas dezenas de iPhones 15 Pro Max, mescladas a drones e câmeras tradicionais, expandem a natureza infinita de regiões rurais ao norte da Inglaterra. Toda essa artesania tecnológica não passa imperceptível na tela, o que dá a "Extermínio: A Evolução" uma textura visual insólita perfeita à ambientação num mundo limítrofe onde o vírus da raiva transforma pessoas em criaturas selvagens, incontroláveis e sedentas.

Volta e meia retorna, entre entusiastas do horror, a discussão se os monstros de "Extermínio" são zumbis ou "infectados", o que também sempre esbarrou na inconformidade de alguns em ver supostos mortos-vivos numa agilidade e descontrole bem diferentes das figuras bamboleantes imortalizadas nos filmes de George A. Romero desde 1968 com "A Noite dos Mortos-Vivos".
Zumbis ou não, os humanos alterados em toda a franquia "Extermínio" são a representação ideal, mais ainda em "A Evolução", de uma Inglaterra cindida em várias partes, disputada por forças geopolíticas variadas e sempre apreensiva sobre seu real papel numa conjuntura que tem os colonizados Estados Unidos como maior potência.
A política é menos diretamente citada agora do que foi no filme de 2002, e até por isso ela parece mais presente, pois se espalha por ações e gestos dos personagens. A jornada do garoto Spike, papel de Alfie Williams, é atravessada por figuras de poder, da família ou fora dela. Submetido, Spike segue rumo à perda da inocência a cada desafio que precisa enfrentar desde quando sai com o pai, vivido por Aaron Taylor-Johnson, para aprender a sobreviver na desordem mundial que já dura os 28 anos do título original.
Tendo visto ou não os filmes anteriores de "Extermínio", o espectador é convidado por Boyle a compreender a mecânica de seu contexto através do procedimento de o cineasta convocar imagens sem relação com a instância narradora. Fragmentos de "Henrique V", clássico inglês de 1944 dirigido e protagonizado por Laurence Olivier, vêm de lugar algum para mostrar as estratégias de ataque e defesa do grupo que se acompanha ao longo de boa parte do filme. Vozes e cânticos são invocados fora da ação para comentar o que acontece na tela, ampliando a imersão para além do entendimento superficial.
"Extermínio: A Evolução" é ainda impiedoso nos desdobramentos desde o prólogo, que promove um massacre incomum de se ver no gênero. Em vários momentos, mergulha no emocional à beira do melodramático de uma maneira que Boyle, não exatamente um cineasta da sutileza, consegue manejar no limite da eficiência genuína. O diretor britânico faz aqui seu primeiro filme realmente muito bom desde justamente o "Extermínio" de 2002.