FORRÓ
O som que vem da sanfona, do triângulo e da zabumba
Ritmo genuinamente nordestino resiste às mudanças provocadas pelo tempo e dominam os festejos nesta época do ano


Sanfona, zabumba e triângulo. Em tempos modernos, há quem pergunte onde estão os outros instrumentos, como se fosse preciso mais que isso para reproduzir a arte junina. Apesar das transformações sofridas, o forró raiz ainda existe e resiste, mostrando-se um ritmo ainda em vigor no solo nordestino e, sobretudo, alagoano. No tradicional período de São João, tão importante quanto lembrar da tradição é lembrar em como ela surgiu e qual seu papel nos dias de hoje.
O gênero forró, em si, pode significar muita coisa. Falar em forró abrange o baião, o xote, o arrasta pé, o rojão, a embolada, enfim, numerosos subgêneros que surgem de um ritmo criado em meados do século XIX, popularizando-se, quase que automaticamente, no Nordeste.
“O forró pé de serra tem esta denominação por ser o mais tradicional deles, o genuíno, uma vez que algumas adaptações foram feitas, com o passar do tempo, interferindo no ritmo original e ganhando aceitação pública. A aceitação pública é, para mim, a certidão de validade de qualquer manifestação popular”, comenta a professora e historiadora Cármen Lúcia.
A historiadora explica, de acordo com os estudos, não apenas a criação do ritmo, mas também a formação de seu nome. Não foi por teoria ou técnica que o estilo foi criado, mas pela pulsação dos instrumentos que ocorrerem em consonância com as batidas do coração dos ouvintes.
“A origem dessas manifestações ocorrem de forma difusa, sem precisão de época ou lugar, se firmam pela aceitação da comunidade. Para alguns estudiosos, durante a implantação das ferrovias, no Nordeste, contando com a presença de funcionários ingleses, os arrasta pés que eram promovidos para toda a comunidade. Os ingleses diziam: for all — isto é, para todos. No falar regional, de for all para forró, foi só uma questão de tempo”, diz Cármen.
É uma cultura que persiste, quer queiram ou não, aliás, querem, e por isso continua sendo o tema musical do mês de junho, quando se comemoram as festas dos três santos. E mesmo que seus subgêneros também sejam tocados, o pé de serra, considerado o gênesis do ritmo musical, ainda é tocado nas esquinas e bares, seja na capital ou no interior.
“O pé de serra representa a dança icônica das nossas festas juninas. Por isso deve ser estimulada a sua permanência, desde que de forma espontânea, sem amarras, como quer a geração do presente. Entendo que não devemos engessar manifestações culturais. A estagnação leva à extinção”, comenta.
Em um sentido mais profundo, o forró tradicional é capaz de elevar a alma ancestral nordestina. Como diz o professor e também historiador Douglas Apratto Tenório, o forró “é o símbolo da autêntica alma nordestina, relicário de tradições e que traz consigo o ritmo e as histórias de nosso povo. É ainda a trilha sonora dos antigos arraiais, da verdadeira festa junina, e promove o fortalecimento comunitário, evocando saudades de tempos idos, a fé e a alegria de viver”.
Apesar da aceitação pública pelos descendentes do forró, como o piseiro, pisadinha, universitário e até mesmo o estilizado, onde instrumentos eletrônicos são amplamente utilizados, Apratto vê com maus olhos a proliferação desses subgêneros que são, inclusive, promovidas pelos representantes do povo.
“Como historiador vejo com imensa tristeza essa invasão perniciosa que faz agonizar nossa identidade cultural. E nossos políticos e governantes de todas instâncias advogam essa destruição, destinando verbas vultosas para esses artistas de outros ritmos, esquecendo esse compromisso com nossas raízes”, reflete o professor.
Batucando a zabumba, movimentando a sanfona e fazendo o ‘tililin’ no triângulo, o grupo Zé Paraíba e os Companheiros do Forró mantém viva a tradição do forró raíz, seja durante ou fora do São João, sempre levando a cultura imortal da música nordestina por onde passam. Para o grupo, há uma grande diferença entre o tradicional e o que vem sendo apresentado ao público nos dias de hoje.
“O que é diferente dos outros ritmos de forró é a cultura. O forró raiz foi onde tudo começou e é uma tradição que nunca morre. Diferente das músicas atuais que não passam de músicas passageiras e momentâneas”, diz Luciano, membro do grupo.
Enquanto os grandes palcos brilham com luzes e batidas eletrônicas, o forró pé de serra continua firme nos coretos, nas feiras, nos sítios e nos corações de quem reconhece nele mais que um estilo musical, mas a cultura de um povo.