EDUCAÇÃO
Analfabetismo cai e abre caminho para autonomia de milhares de Alagoanos
Estado registra redução de 21,9% no número de pessoas não alfabetizadas entre 2016 e 2024


A moradora do Benedito Bentes Terezinha Gomes dos Santos tem 83 anos. Aposentada, ela passou a vida toda trabalhando como cozinheira. “Naquele tempo era mais difícil, né?”, fez questão de ressaltar, para dizer logo em seguida que precisou parar de estudar aos 14 anos. “Só concluí o primário e, depois que parei, não voltei mais para escola”, afirmou ela em depoimento à Gazeta de Alagoas.
Terezinha Gomes da Silva sabia ler e escrever algumas palavras. “Mas era bem pouco”, explana. O tempo foi passando e o pouco que sabia ela foi esquecendo. Mas foi por meio do Programa Brasil Alfabetizado, do Governo Federal e executado pelo Governo do Estado, que a aposentada saiu do analfabetismo e migrou para o mundo dos alfabetizados. Era dentro da Assembleia de Deus, no Benedito Bentes, que as aulas aconteciam, em uma das turmas de 2024.
“Estou conseguindo ler a bíblia e já consigo acompanhar a leitura na igreja”, expõe a cozinheira as suas ‘pequenas grandes’ vitórias conquistadas por meio das letras e palavras, que lhes dão ainda o direito de sonhar. “Agora quero realizar meu sonho de escrever um caderno de receita com a minha letra”, complementa ela, terminando o seu depoimento lendo um versículo da bíblia, do Salmo 125.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados neste mês de junho, caiu o número de analfabetos em Alagoas 2016 e 2024.
O IBGE aponta que, em 2016, havia 351 mil alagoanos sem qualquer instrução de ensino. Em 2024, esse número diminuiu para 274 mil, o que representa uma queda de 21,93% entre o primeiro e o último ano da série histórica.
Os doutores em Educação pela Universidade Federal de Alagoas, Fernando Pimentel e Aristóteles Oliveira, consideram que esses números demonstram um avanço no enfrentamento do analfabetismo, mas este continua sendo um problema estrutural no Estado. Para eles, a redução do número de pessoas que não sabem ler ou escrever indica que há esforços institucionais para a ampliação do acesso à escolarização básica. Eles citam a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que propõe ações pontuais, e o Programa Brasil Alfabetizado. Entretanto, fazem ressalvas.
“É importante frisar que essa queda percentual não significa a superação do problema, dado que os números absolutos ainda revelam a exclusão educacional de uma parcela significativa da população alagoana”, pontua Fernando Pimentel.
“Apesar dos progressos alcançados, os números atuais ainda são preocupantes e evidenciam a necessidade urgente de políticas públicas estruturantes e perenes, capazes de consolidar e ampliar os avanços obtidos, com especial atenção ao combate do analfabetismo funcional e à redução das desigualdades educacionais regionais”, concorda Aristóteles Oliveira.
De acordo com a coordenadora do Programa Brasil Alfabetizado em Alagoas, Adeilma Fonseca, a maior parte dos alunos beneficiados são das zonas rurais do Estado, que nunca frequentaram uma escola ou não vão há décadas à sala de aula. Nas turmas, há pessoas de 80 anos ou o analfabetos mais jovens, dos dias atuais. “Esse programa foi feito para resgatar essas pessoas”, pontua ela.
Ela lembra que um dos critérios do Ministério da Educação é o de que as salas de aulas estejam mais próximas possíveis dos alunos.
“É um público vulnerável, de condições sociais, econômica, de localização. A turma pode ser formada na casa do alfabetizador popular, que às vezes é o vizinho, é o parente, é o associado de alguma associação ou sindicato, ou é membro de igreja. Tem que estar mais próximo daquele que apresenta barreiras geográficas e não pode se deslocar para uma escola na cidade, para um centro urbano”, reforça a coordenadora, elencando que, entre maio de 2024 e abril de 2025, foram 7000 pessoas alfabetizadas pelo programa em 447 turmas espalhadas por todo o Estado.
Apesar dos esforços institucionais, Pimentel afirma que alfabetizar uma população é pensar também em outros contextos locais e regionais, como as desigualdades sociais e pobreza extrema, em uma equação que não é tão simples e não pode ser pensada a curto prazo. Outros fatores pontuados por ele são articulação contínua entre todas as esferas do poder público, que promova investimento, estrutura pedagógica, valorização dos professores, busca ativa de pessoas fora da escola, assistência social e à saúde, e que os programas dialoguem com a realidade socioeconômica dos estudantes.
“O analfabetismo em Alagoas tem uma distribuição marcada por desigualdades regionais, geracionais e de gênero. As zonas rurais, especialmente no Sertão e Agreste alagoano, apresentam os maiores índices, resultado da precariedade histórica no acesso à educação e da ausência de políticas de interiorização eficazes. Já nas áreas urbanas, o analfabetismo tende a se concentrar em bairros periféricos, onde a pobreza e o baixo nível de escolaridade dos pais são fatores agravantes”, acrescenta Pimentel.
Se para quem é alfabetizado desde criança, ler a bula de um remédio, escrever o próprio nome, ler uma receita médica ou culinária, são ações corriqueiras e desapercebidas, para o agricultor da zona rural de Igaci, Jailson André da Silva, de 34 anos, são conquistas que o tornam uma pessoa mais independente e segura na execução das suas atividades cotidianas.
Ele Parou de estudar na quarta série porque precisou trabalhar. Ano passado retornou às aulas. “Aprendi a ler, a escrever, a fazer meu nome, hoje sei ler uma receita, sei pegar ônibus, ler as placas, os remédios, as coisas no mercado, consigo ler a bíblia, futuramente quero tirar a habilitação. Fico muito feliz por ter conseguido essa conquista na minha vida”, comemorou ele.
Valdenora Maria da Conceição Damasceno tem 41 anos, é agricultura e mora na zona rural de Delmiro Gouveia. Ainda era “muito nova” quando parou de estudar depois que casou e teve uma criança. Em 2024, um grupo de pessoas foi até a casa dela, fazendo uma busca ativa e convidando-a para voltar à escola. “Dei meu nome, fui, aprendi a ler e a escrever, a fazer contas, que estão me ajudando muito no meu dia a dia. Pretendo desenvolver a minha leitura e aprender cada vez mais”, relatou ela.
Aristóteles Oliveira considera que Alagoas ainda enfrenta desafios estruturais profundos na educação, como a qualidade de aprendizagem dos alunos do ensino fundamental, as desigualdades étnico-regionais, a evasão escolar entre os jovens, ausência de políticas públicas de permanência, a formação e valorização docente, a infraestrutura escolar nas zonas rurais e periferias e exclusão de grupos, como quilombolas indígenas, negros e pessoas com deficiência, que ainda enfrentam barreiras no sistema educacional. “Superar esses desafios exige investimentos contínuos, foco na equidade e articulação entre governos, sociedade civil e setor privado”, finalizou.